1º Domingo do Advento | Ano A | 30/11/2025
Textos Bíblicos: Mateus 24,37- 44 e Isaías 2,1–5
Isaías anuncia um tempo em que todas as nações subirão à montanha do Senhor para escutar Sua Palavra e deixar-se conduzir por Sua luz. É uma visão voltada para o futuro, mas também um apelo para o presente: Deus sonha com um mundo em que os corações reconheçam o Seu caminho e permitam que Ele modele a história.
O profeta descreve um movimento silencioso e profundo: povos diferentes, culturas diversas, pessoas espalhadas pelos quatro cantos da terra, todos atraídos pela mesma luz. Não por imposição, mas por um desejo interior, por uma fome de sentido que nenhuma outra realidade sacia. É por isso que sobem à montanha: para aprender, escutar e reencontrar o rumo.
E, no coração dessa subida, Isaías anuncia algo decisivo: somente quando deixarmos que o Senhor nos ensine Seus caminhos nossas espadas poderão ser transformadas em relhas de arado.
Isso significa que:
- nossa agressividade pode tornar-se fecundidade;
- nossas defesas, acolhida;
- nossos medos, sementes de paz.
Contudo, assim como nos dias de Noé, existe sempre o risco de viver sem perceber essa luz. Enquanto o profeta aponta para um horizonte luminoso, muitos continuam no automático, movidos apenas por urgências e preocupações imediatas, sem levantar os olhos para notar que Deus está chamando.
A grande ameaça não é o caos visível, mas o coração que perde a capacidade de sonhar, esperar e subir a montanha. Não se trata de mudar de lugar geográfico, mas de mudar de condição interior: abandonar pensamentos que não trazem esperança, paz, alegria ou amor.
Quando Jesus compara a vinda do “Filho do Homem” aos dias de Noé, Ele toca uma dimensão profunda da nossa experiência: a tendência de viver no “piloto automático”, distraídos daquilo que realmente importa.
Nos dias de Noé, nada parecia extraordinário. As pessoas comiam, bebiam, casavam-se, trabalhavam. A vida seguia seu curso. Jesus não condena nada disso, pois são realidades boas e próprias da existência humana.
O problema não era o que faziam, mas como faziam: viviam sem atenção a Deus, sem abertura ao transcendente, sem ler os sinais do próprio tempo. A rotina se tornara tão espessa que não enxergavam a aproximação de um novo começo. E, quando o dilúvio chegou, não o perceberam.
Aqui está o centro da comparação:
O maior perigo não é o pecado evidente.
O maior risco é a indiferença.
É o coração anestesiado, acostumado, sem vigilância.
É a perda da sensibilidade espiritual que impede de ver Deus que passa, ouvir Deus que chama, acolher Deus que visita.
A expressão “Filho do Homem” é um título que Jesus usa frequentemente para falar de Si mesmo. Ela tem duplo sentido, profundamente enraizado na Bíblia: 1. Significa “ser humano verdadeiro”. Em hebraico e aramaico, “filho do homem” significa simplesmente um homem, um ser humano. Ao usar esse título, Jesus revela sua total humanidade, sua proximidade conosco. 2. É um título messiânico glorioso. Em Daniel 7,13-14, o “Filho do Homem” é uma figura enviada por Deus, que vem “sobre as nuvens do céu” para receber autoridade, glória e reino eterno. Ao assumir esse título, Jesus se apresenta como o Messias esperado, aquele que tem poder e origem divina. Assim, quando Jesus diz “Filho do Homem”, Ele une duas realidades que se encontram n’Ele: 1. Humano como nós; 2 Divino e Senhor da história.
Essa anestesia pode nos transformar em especialistas em sobreviver, mas amadores em viver.
Podemos cumprir todas as tarefas da vida como trabalhar, estudar, organizar a casa, cuidar dos filhos, até ir à Igreja, mas mesmo assim permanecer na superfície, sem profundidade, sem conversão, sem o olhar interior capaz de distinguir o essencial do acidental.
Por isso Jesus insiste:
“Ficai atentos!”
O Reino de Deus não chega com espetáculo, mas através de pequenas visitas, discretas presenças, sinais silenciosos.
A luz já está acesa, mas é preciso despertar.
A montanha está diante de nós, mas é preciso desejá-la.
O chamado de Jesus não é fugir do mundo, mas iluminá-lo.
Não é abandonar a vida cotidiana, mas vivê-la com o olhar desperto.
Não é esperar o fim, mas preparar o coração para o encontro.
Você é chamado a acordar e a viver com consciência, presença e fé. Saber que Deus sempre vem, sempre passa, sempre visita… e que a graça não se impõe: ela se oferece.
Quais são as “montanhas” que o Senhor hoje me convida a subir? Quais atitudes, decisões e mudanças, para que eu deixe de viver no automático e reencontre o caminho da esperança?

Autor: Pe. Adriano da Levedove
Padre, psicólogo, pedagogo e estudioso da psicologia analítica junguiana.
Contato: alevedove@gmail.com