É hora de deixar de querer prosperar e começar a evoluir
Vivemos em uma sociedade marcada por metas, resultados, crescimento e, acima de tudo, prosperidade. Desde cedo somos ensinados a associar o sucesso àquilo que conquistamos externamente: dinheiro, status, cargos, bens materiais, reconhecimento social. Essa lógica é reforçada pelo sistema econômico, pelas redes sociais e até mesmo pela educação que recebemos, que privilegia a competição em detrimento da cooperação. Contudo, chega um momento em que essa busca incessante revela suas fragilidades: prosperar pode trazer conforto, mas não necessariamente plenitude. É nesse ponto que surge a necessidade de deslocar o foco: deixar de querer apenas prosperar e começar, de fato, a evoluir.
A prosperidade, em sua forma mais comum, refere-se ao crescimento visível. Ela é medida em números, em saldo bancário, em propriedades, em resultados profissionais e na admiração alheia. Prosperar, nesse sentido, é caminhar rumo a um acúmulo: mais coisas, mais títulos, mais conquistas.
Não há nada de errado em desejar prosperar. O problema está em reduzir a vida apenas a esse horizonte. Quando prosperar se torna um fim em si mesmo, o ser humano corre o risco de se aprisionar na ilusão de que seu valor está condicionado ao que possui. A vida, então, se torna uma corrida sem linha de chegada, porque sempre haverá mais a conquistar. É a lógica do “nunca é suficiente”.
O antropólogo Marshall Sahlins lembrava que “a primeira sociedade de abundância foi a dos caçadores-coletores” — não porque acumulavam muito, mas porque sabiam viver com o essencial. Essa observação mostra que a prosperidade, quando se torna obsessão, revela-se culturalmente construída e não natural à condição humana.
A figura do Herói está muito presente nesse ideal de prosperidade. O Herói é aquele que luta, conquista, supera desafios, atravessa batalhas e quer chegar ao topo. Ele é movido pela necessidade de provar sua força e de vencer obstáculos. Esse arquétipo é fundamental na juventude da vida e da sociedade, porque mobiliza energia, coragem e ousadia.
No entanto, quando o Herói não se transforma, ele pode cair em sua sombra: tornar-se escravo da competição, obcecado pelo reconhecimento e incapaz de parar a corrida. O Herói que não amadurece corre o risco de acumular vitórias externas e perder batalhas internas. Prosperar, quando alimentado apenas pelo Herói, pode levar ao vazio.
Freud, em O mal-estar na civilização, já alertava que a busca incessante pelo triunfo externo não garante felicidade, pois “o programa de tornar-se feliz, imposto pelo princípio do prazer, não pode ser realizado”. Assim, o Herói corre o risco de ser vencido pela própria corrida.
Enquanto prosperar é acumular, evoluir é transformar-se. A evolução não está preocupada com a quantidade de bens, mas com a qualidade da existência. É um processo que envolve autoconhecimento, amadurecimento, consciência, espiritualidade e responsabilidade.
Evoluir significa aprender com as experiências, integrar as dores e as alegrias, desenvolver virtudes, lidar com as sombras internas e expandir a visão de mundo. É perceber que a vida não se resume ao que acontece fora, mas sobretudo ao que floresce dentro. É viver não apenas para ter, mas para ser.
A passagem da prosperidade para a evolução é, no fundo, uma transição arquetípica: do Herói para o Sábio. O Sábio é aquele que não precisa mais provar nada a ninguém. Sua força não está na conquista, mas na compreensão. Ele se volta para dentro, busca sentido, elabora o vivido e transforma experiência em sabedoria.
Carl Gustav Jung descreveu esse movimento como parte do processo de individuação, o caminho pelo qual o indivíduo integra sua sombra e se torna inteiro: “Aquele que olha para fora sonha; aquele que olha para dentro desperta.” A frase sintetiza a virada do Herói para o Sábio: do foco nas batalhas externas para a conquista da consciência interior.
O equívoco acontece quando se tenta usar a prosperidade como substituto da evolução. Muitas vezes, acreditamos que ao prosperar automaticamente estaremos evoluindo. Essa confusão se dá porque o mundo associa prosperidade ao progresso. No entanto, não são sinônimos.
O progresso material não garante evolução interior. Prova disso é a quantidade de pessoas bem-sucedidas financeiramente, mas mergulhadas em crises existenciais, depressão, solidão e falta de sentido. Claude Lévi-Strauss, pai da antropologia estrutural, dizia que “o mundo começou sem o homem e terminará sem ele” — lembrando que nossa obsessão pelo acúmulo é, em última instância, transitória. O que permanece é o que evoluímos em consciência.
Evoluir não é um convite para alguns; é uma vocação de todos. Cada fase da vida traz seus próprios desafios de crescimento: a infância pede aprendizado, a juventude exige identidade, a vida adulta demanda responsabilidade, a maturidade chama para a sabedoria. Quem se recusa a evoluir, permanece preso em padrões repetitivos, torna-se refém do passado e se estagna.
Evoluir também não significa negar a prosperidade, mas reorganizar as prioridades. É compreender que o essencial não pode ser comprado, e que a verdadeira riqueza se encontra naquilo que construímos em nós e ao redor de nós: vínculos, valores, propósito, espiritualidade. É nesse ponto que a evolução se torna um ato de liberdade.
Quando a evolução se torna prioridade, a prosperidade deixa de ser meta e passa a ser consequência. Quem busca evoluir desenvolve resiliência para lidar com desafios, sabedoria para tomar decisões, equilíbrio para administrar bens, humildade para conviver em comunidade. Essas virtudes tornam a vida mais estável e fértil, abrindo espaço também para conquistas materiais. No entanto, a prosperidade aqui já não é idolatrada, mas administrada. Ela se transforma em instrumento, e não em fim. Passa a servir ao bem próprio e ao bem coletivo, ampliando os horizontes de solidariedade, partilha e justiça.
Enfim, apesar de estarmos imersos em uma cultura que exalta prosperar, o grande chamado da vida é evoluir. Prosperar pode até nos oferecer conforto e reconhecimento, mas somente a evolução pode nos dar sentido e plenitude. Prosperidade é movimento para fora; evolução é movimento para dentro. Prosperidade acumula; evolução transforma. Prosperidade é relativa e passageira; evolução é duradoura e essencial.
Em linguagem simbólica, esse é o caminho de todo ser humano: deixar que o Herói, que vence batalhas externas, amadureça e se transforme no Sábio, que encontra a paz dentro de si. Como dizia Jung, “não se chega à iluminação imaginando figuras de luz, mas tornando consciente a escuridão.” É hora de deixar de querer prosperar e começar a evoluir. Pois, quando evoluímos, prosperamos em todas as dimensões: material, emocional, espiritual e relacional. A vida, então, deixa de ser corrida vazia e passa a ser jornada plena.
Referências
Recomendo para você os seguintes livros, os quais utilizei para escrever esse artigo, nada como mergulhar na fonte dos homens que na jornada evoluíram.
FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SAHLINS, Marshall. A primeira sociedade da abundância. In: ____. Economia da Idade da Pedra. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Autor: Pe. Adriano da Levedove
Padre, psicólogo, pedagogo e estudioso da psicologia analítica junguiana.
Contato: alevedove@gmail.com