O encontro da samaritana com Jesus: uma análise à luz da filosofia de Alfonso López Quintás

Jesus e a Samaritana no Poço de Jacó

Jesus e a mulher samaritana junto ao poço de Jacó: um encontro que transcende barreiras sociais e religiosas. Fonte: Domínio público

"Todo Encontro é Sagrado." — Vítor Meireles, filósofo, 2025

INTRODUÇÃO

Entre os encontros mais profundos e transformadores narrados nos Evangelhos, destaca-se o episódio de Jesus com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó (Jo 4, 1-42). Não se trata apenas de um diálogo entre dois personagens, mas de um encontro existencial que revela o modo como Jesus se relaciona com o outro: com acolhimento, escuta autêntica e palavras que despertam a liberdade. Uma verdadeira oração.

"Se conhecesses o dom de Deus!" (Jo 4, 10). A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços onde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede dEle. — CIC 2560, 2017

Para aprofundar o sentido desse encontro, podemos recorrer à filosofia de Alfonso López Quintás, especialmente à sua teoria dos níveis de encontro. O filósofo espanhol distingue quatro níveis positivos que caracterizam a profundidade relacional entre os seres humanos. Este artigo pretende descrever o encontro de Jesus com a samaritana, o olhar, a escuta e as palavras de Cristo à luz da teoria dos níveis e refletir sobre as condições necessárias para um verdadeiro encontro transformador conforme a teoria filosófica preconizada pelo professor, teólogo, filósofo e sacerdote espanhol.

O RELATO BÍBLICO: VERTIGEM E ÊXTASE

O evangelista João descreve o episódio em que Jesus senta-se à beira do poço, em território samaritano. Na época de Jesus, o território samaritano situava-se entre a Galileia, ao norte, e a Judéia, ao sul, tendo como principais cidades Siquém e Samaria (a capital histórica). Essa região era montanhosa, fértil e estrategicamente importante, situada ao longo da principal rota que ligava Jerusalém à Galileia.

Apesar de sua proximidade geográfica com os judeus, os samaritanos possuíam identidade religiosa e cultural distinta. Eles aceitavam apenas o Pentateuco como Escritura Sagrada e adoravam a Deus no monte Gerizim, rejeitando Jerusalém como centro de culto.

A relação entre judeus e samaritanos era marcada por desconfiança, hostilidade e preconceito mútuo. Essa rivalidade tinha raízes profundas: após o exílio babilônico, os samaritanos - descendentes de israelitas que permaneceram na terra e se misturaram com povos estrangeiros - foram considerados impuros pelos judeus.

O cisma religioso se acentuou com a construção de um templo rival no monte Gerizim, destruído pelos judeus no século II a.C.. Como resultado, os judeus evitavam contato com os samaritanos, inclusive recusando-se a atravessar seu território. Nesse contexto, o encontro de Jesus com a samaritana revela, por si só, uma atitude revolucionária de superação de barreiras sociais e religiosas.

O relato bíblico nos conta que Jesus estava no poço de Jacó porque estava a caminho da Galileia e passou pela região da Samaria. Esse episódio é narrado no Evangelho de João 4,1-42. O texto diz que Ele se cansou da viagem e sentou-se junto ao poço por volta do meio-dia, enquanto os discípulos tinham ido à cidade buscar comida (Jo 4, 6-8).

Poderíamos iniciar uma discussão teológica sobre a real intencionalidade de Jesus ao ficar no poço de Jacó. Estava Jesus cansado e por isso parou para descansar, ou Jesus, propositalmente ali ficou pois sabia que em breve a samaritana viria buscar água e todo o diálogo a seguir se desenvolveria?

Em um belo livro a respeito de Madre Teresa de Calcutá, Joseph Langford (2010) dedica o apêndice, à uma reflexão específica sobre o olhar de Madre Teresa (fundadora da Ordem das Missionárias da Caridade), à esta passagem do Evangelho. Diz Madre Teresa segundo Langford:

Mesmo antes que a mulher samaritana começasse sua busca pelo Deus que havia perdido, mesmo no meio de suas buscas egoístas, Jesus já estava lá, aguardando-a. Ele vem, o Bom Pastor, não apenas seguindo aqueles que se desviam, mas sempre à frente deles. O surpreendente é que Ele nos espera exatamente no lugar e no ato de nosso desvio, e sem uma palavra de condenação - apenas convite. Ele não vem para denunciar, mas para erguer e transformar, e Ele começa o processo de nossa restauração primeiro nos atraindo ao diálogo. (...) Ele permanece inabalável em sua busca por nós, não importando quanto tempo o processo possa levar (nesta cena, Jesus chega ao poço cansado da viagem). — Langford, 2010

Langford (2010) complementa ainda em outro trecho de seus escritos: “Os discípulos não estão lá quando Jesus fala com ela, pois este encontro só pode ocorrer a sós, no poço do nosso coração.”

A cena do encontro entre Jesus e a mulher samaritana no poço de Jacó aparece no episódio 8 da primeira temporada da série The Chosen, intitulado “Eu Sou Ele” (I Am He). No episódio, Jesus (interpretado por Jonathan Roumie) escolhe ficar no poço, sozinho, enquanto seus discípulos vão à cidade buscar comida.

Essa cena é considerada o ponto alto da primeira temporada, destacando a compaixão de Jesus e sua missão de alcançar os marginalizados. Além das considerações levantadas anteriormente sobre o inesperado encontro, cabe comentar ainda que homens judeus não falavam em público com mulheres, especialmente sozinhos.

Voltando ao relato; neste poço aproxima-se uma mulher para buscar água. Jesus inicia o diálogo com um pedido simples: “Dá-me de beber” (Jo 4, 7). A mulher se surpreende, pois judeus e samaritanos evitavam contato. O diálogo tem uma pedagogia própria até se aprofundar. Passa por temas como a sede espiritual, a verdadeira adoração até chegar à revelação do Messias.

Segundo Langford (2010), a mulher samaritana simboliza a nossa pobreza humana em seu máximo. Como samaritana, uma reprovada e herege cortada do povo escolhido, ela havia perdido toda a dignidade religiosa; como mulher, tinha pouquíssima dignidade civil; e como pecadora pública, ela havia perdido sua dignidade como pessoa. Ou seja, ela representa o estado de perda da humanidade, que abdicou de nossos dons dados por Deus.

Jesus revela conhecer profundamente a vida da mulher, pondo em evidência ter conhecimento de seus cinco maridos anteriores e que, o homem com quem vive não é seu esposo. Ao invés de condená-la, Jesus a conduz à descoberta de sua própria dignidade e da possibilidade de uma nova vida. A mulher, tocada por esse encontro, se transforma em testemunha, anunciando à sua cidade: “Vinde ver um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?” (Jo 4, 29).

A forma de vida que levava a samaritana por esses longos anos, chamamos de vertigem, conforme define o professor López Quintás. O conceito de vertigem refere-se a uma condição existencial em que a pessoa perde o rumo interior e se deixa atrair por experiências que, embora pareçam prazerosas e libertadoras, na verdade a desorientam e degradam. Trata-se de um processo no qual o ser humano manipula sua liberdade, utilizando-a não para se realizar plenamente, mas para fugir das exigências do bem e da verdade. A vertigem surge quando alguém confunde liberdade com ausência de limites e busca satisfação imediata, um estado de euforia (considerado por López Quintás como sinônimo de vertigem), ignorando o chamado ao crescimento interior e à construção de vínculos autênticos.

Nesse processo, a pessoa é seduzida por valores aparentes - como sucesso, poder, prazer ou status - que funcionam como “ímãs” que a afastam de sua verdadeira realização. A vertigem, portanto, é um desnível existencial: ao invés de subir, o ser humano “desce” para zonas de menor exigência, evitando o esforço de se elevar ao apelo, ou seja, ao convite para viver nos verdadeiros valores como o amor, a verdade e o bem (López Quintás, 2024).

Esse estado gera isolamento, vazio e superficialidade nas relações. Para López Quintás (2024), a superação da vertigem exige reencontrar o sentido da liberdade como dom e responsabilidade, e optar por caminhos de elevação que favoreçam a plenitude do ser e a comunhão com os outros.

O processo de transformação descrito na parábola nos mostra que a samaritana, no decorrer do diálogo e do encontro, sai de um estado psicológico e espiritual negativo, a outro, que López Quintás (2024) denomina êxtase. Um outro conceito amplamente trabalhado pelo filósofo em contraposição ao processo de vertigem ou euforia que acabamos de descrever.

O êxtase ou criatividade vincula várias experiências positivas, que nos conduzem ao encontro e culminam na experiência máxima (de pico) que envolve a descoberta do ideal de vida. O que Jesus faz com a samaritana é um convite a se elevar sem querer dominá-la, seduzi-la ou fasciná-la. Mas sim, um convite a respeitar, estimar e colaborar com ela, trocando possibilidades de todos os tipos. Essa troca dá origem a uma relação pessoal de encontro. Ao encontrar-me sinto exaltação, alegria e gozo duplo, pois com isso aperfeiçoo minha pessoa e colaboro para enriquecer a quem me encontra.

Se me encontro com uma realidade muito valiosa, porque me oferece grandes possibilidades de desenvolvimento e me eleva a um patamar de excelência pessoal, sinto entusiasmo, uma alegria transbordante que é a medida plena da alegria, ou seja, da consciência feliz, por desenvolver plenamente a minha personalidade. — López Quintás, 2024

O POÇO COMO LUGAR DE ENCONTRO

O poço de Jacó

O poço como símbolo de profundidade e encontro com o mistério. Fonte: Domínio público

López Villanueva (2011) traz um comentário muito relevante sobre o lugar da Samaria onde ocorre o encontro e seu respectivo nome:

O lugar onde Jesus e aquela mulher da Samaria se encontram se chama “Sicar”, que significa: “há algo obstruído”. Estamos obstruídos quando estamos desconectados da Fonte, do Manancial. Estamos obstruídos quando vivemos mais em contato com nossas dificuldades psicológicas, relacionais, temperamentais..., e se nos nubla, se nos obscurece nossa capacidade de dar e de receber amor. Com a mulher da Samaria somos conduzidas por Jesus, com tremendo respeito e delicadeza, a reconhecer onde está nossa fragmentação, nossa ferida, nossa divisão. Tudo aquilo que bloqueia nossas fontes, nossa saída para os outros e o enorme desejo do Senhor de desbloquear, de nos levar em nossa vida à fonte de sua misericórdia. — López Villanueva, 2011

Na simbologia universal, o poço representa um dos arquétipos mais profundos ligados à vida, ao mistério e à interioridade. Ao longo da história da literatura e da espiritualidade, ele aparece como imagem do acesso ao invisível, ao inconsciente, ao transcendente (Jung, 2012).

Através da metáfora do poço, autores e pensadores expressam a busca pelo sentido da vida, pela verdade que está além da superfície das coisas. Essa imagem adquire significados ainda mais ricos quando observada em contextos específicos, como no trecho do contexto bíblico selecionado para nossa análise; no conto árabe As Mil e Uma Noites, na obra O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (2015), e nas análises literárias realizadas no segundo curso de experto em Criatividade e Valores que foi oferecido pela Fundación López Quintás (2025).

Na literatura bíblica, o poço é muitas vezes lugar de encontro e revelação. Um olhar mais atento para a cena da samaritana junto ao poço de Jacó, nos insere em um cenário incomum, como o horário do meio dia para se buscar água. Segundo Del Corral (2020) isso já sugere que aquela mulher vivia à margem da sociedade.

Jesus inicia um diálogo pedindo-lhe água, mas logo conduz a conversa a um plano mais profundo: oferece-lhe a “água viva”, que sacia a sede do coração humano. O poço, nesse contexto, é o lugar onde a sede física encontra a sede espiritual; onde a vida comum se abre para o mistério da graça. A mulher, ao se deparar com Jesus, encontra não apenas um profeta, mas a possibilidade de transformar sua existência. O poço torna-se, assim, um ponto de passagem entre a superficialidade da vida e a profundidade do encontro com o divino. Interessante ressaltar que neste diálogo, o que ambos têm “em comum” é sede. Jesus pede à samaritana que sacie a sua sede, e a samaritana vai buscar água para saciar a sede dela própria.

Em O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (2015), o poço surge no deserto, quando o narrador e o Pequeno Príncipe já estão fisicamente esgotados. No momento em que o poço é finalmente encontrado, ele não representa apenas salvação física, mas revela um sentido mais amplo: “O essencial é invisível aos olhos”. A água do poço é comparada a um dom, algo que não se reduz ao material. Ela é valiosa por causa do esforço da busca, da expectativa e do valor afetivo que carrega. O poço, portanto, é símbolo do invisível que dá sentido à vida - aquilo que se encontra apenas com o coração. O deserto, lugar de escassez e silêncio, é o espaço necessário para ouvir a voz interior e reconhecer o que realmente importa. Nesse cenário, o poço é epifania: revela o mistério oculto sob as aparências.

No universo de As Mil e Uma Noites (2001), o poço aparece como símbolo de mistério, passagem e revelação. Ele marca o ponto de transição entre o mundo visível e o invisível. Ele oculta tesouros, serve de esconderijo e leva a mundos subterrâneos, sendo espaço de prova e descoberta. O poço evoca o desconhecido, mas também a esperança e a transformação. Assim, nas tramas árabes, ele não é apenas fonte de água, mas um portal narrativo, onde o destino das personagens muda e onde o fantástico encontra o cotidiano com força simbólica.

Portanto, o poço - seja no Evangelho, em O Pequeno Príncipe ou em As Mil e Uma Noites - transcende sua função utilitária. Ele se torna símbolo do encontro com o essencial, com o mistério, com o outro e com Deus. É lugar de revelação, de transformação e de esperança. Nele, a sede física aponta para uma sede mais profunda: a sede de sentido, de amor, de verdade.

OS NÍVEIS DE ENCONTRO DE LÓPEZ QUINTÁS

O filósofo espanhol Alfonso López Quintás (2024) propõe uma distinção entre quatro níveis de relacionamento humano, que ele denomina “níveis de encontro”. Essa teoria é fundamental para compreender a profundidade e a qualidade das interações humanas. Os quatro níveis são:

Nível 1: O Encontro com o Objeto (Nível da Coisa)

Neste nível, a relação é de domínio e uso. O outro é visto como um meio para atingir um fim, como uma ferramenta ou um recurso. É uma relação unidirecional, onde o valor do outro reside em sua utilidade. Não há reciprocidade, apenas manipulação. É o nível da vertigem, onde a pessoa se fecha em si mesma e busca apenas a satisfação imediata.

Nível 2: O Encontro com o Indivíduo (Nível da Pessoa)

Aqui, a relação é de respeito e estima. O outro é reconhecido como um ser único e irrepetível, com dignidade própria. Há reciprocidade, mas ainda limitada. É o nível da convivência, onde as pessoas se toleram e se ajudam, mas sem um vínculo profundo. É o nível da cortesia e da boa educação, mas não do amor.

Nível 3: O Encontro com a Comunidade (Nível do Nós)

Neste nível, a relação é de comunhão e participação. O outro é visto como parte de um todo, de uma comunidade. Há um vínculo profundo, uma união de corações e mentes. É o nível da amizade e do amor, onde as pessoas se doam e se recebem mutuamente. É o nível do êxtase, onde a pessoa se abre para o outro e se realiza plenamente.

Nível 4: O Encontro com o Mistério (Nível do Transcendente)

Este é o nível mais elevado, onde a relação é de adoração e contemplação. O outro é visto como um mistério, como um reflexo do divino. Há uma união total, uma fusão de almas. É o nível da oração e da mística, onde a pessoa se entrega totalmente a Deus e se torna um com Ele. É o nível da plenitude e da felicidade eterna.

López Quintás (2024) enfatiza que o verdadeiro encontro é aquele que se dá no Nível 3, o do "Nós", que é o nível da criatividade e do êxtase. É neste nível que a pessoa se realiza plenamente, ao se abrir para o outro e se doar a ele. O encontro de Jesus com a samaritana é um exemplo de um encontro que começa no Nível 1 (o pedido de água) e se eleva rapidamente ao Nível 3 (a revelação do Messias e a transformação da mulher), culminando no Nível 4 (a adoração em espírito e verdade).

O filósofo espanhol também destaca que a chave para o encontro é a capacidade de "sair de si" e "ir ao encontro do outro", sem querer dominá-lo ou manipulá-lo. É a capacidade de "escutar" o outro, de "acolher" o outro e de "colaborar" com o outro. É a capacidade de "trocar possibilidades" com o outro, de modo a enriquecer a ambos.

A partir dos conceitos de níveis aqui descritos, iremos analisar a seguir, o olhar, a escuta e as palavras de Jesus. Nossa intenção, ao utilizar a proposição filosófica de Don Alfonso, é enriquecer a cena de modo a compreendermos melhor a pedagogia do encontro e o jogo no qual ambas as personagens se encontram envolvidas.

O OLHAR DE JESUS: DE DOMÍNIO À ELEVAÇÃO

O olhar de Jesus sobre a samaritana é o primeiro passo para o encontro. Não é um olhar de julgamento, mas de acolhimento. É um olhar que vê a pessoa por trás das aparências, dos preconceitos e dos erros. É um olhar que convida à liberdade e à transformação. O olhar de Jesus é um olhar que eleva, que tira a pessoa do nível da coisa e a coloca no nível da pessoa.

O olhar de Jesus sobre a samaritana é um olhar que a tira do nível da coisa (Nível 1) e a introduz no nível da pessoa (Nível 2), onde duas liberdades se reconhecem, se respeitam e se transformam. É um olhar que permanece sereno, atento, penetrante - convidando-a sempre ao nível mais profundo da existência, onde Deus se encontra com a pessoa em verdade.

A ESCUTA DE JESUS: O SILÊNCIO QUE ACOLHE

A escuta de Jesus é o segundo passo para o encontro. Não é uma escuta passiva, mas ativa e acolhedora. É uma escuta que não julga, mas compreende. É uma escuta que permite ao outro se expressar livremente, sem medo de ser condenado. É uma escuta que cura, que liberta e que transforma. A escuta de Jesus é uma escuta que se dá no silêncio, no qual o ego é suspenso para que o outro possa ser acolhido em sua totalidade.

Suspender o ego significa acolher o outro sem impor imediatamente o próprio ego. O ego centrado em si mesmo daquele que escuta, com suas opiniões, desejos, julgamentos e pressa de responder, é o maior empecilho ao encontro autêntico. Enquanto o ego estiver no controle, a escuta será sempre parcial, contaminada, impaciente ou defensiva.

AS PALAVRAS DE JESUS: A ÁGUA VIVA QUE SACIA

As palavras de Jesus são o terceiro passo para o encontro. Não são palavras vazias, mas cheias de vida e de verdade. São palavras que revelam o mistério de Deus e o sentido da vida. São palavras que convidam à adoração em espírito e em verdade. São palavras que saciam a sede do coração humano. As palavras de Jesus são a água viva que transforma a vida da samaritana.

A palavra de Jesus é a água viva que sacia a sede do coração humano. A palavra de Jesus é a palavra que liberta, que cura e que transforma. É a palavra que convida à adoração em espírito e em verdade. É a palavra que revela o mistério de Deus e o sentido da vida. É a palavra que nos convida a ter sede d'Ele, a ter sede do amor, da verdade e do bem.

É possível, portanto, identificar algumas virtudes essenciais para que um encontro seja autêntico e criativo: generosidade, respeito, disponibilidade, veracidade, fidelidade, comunicação, paciência e cordialidade (López Quintás, 2019; 2024).

Trocar ideias e sentimentos gera intimidade e fortalece vínculos. Comunicar-se é dar-se, movido pela confiança mútua. Implica empatia: ver o outro com os olhos do coração, como Jesus fez com a samaritana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O encontro de Jesus com a samaritana é um ícone do que significa encontrar-se verdadeiramente com o outro. À luz da filosofia de Alfonso López Quintás, podemos compreender que esse encontro percorre os três níveis fundamentais da relação: da funcionalidade à pessoalidade e, finalmente, à criatividade. O olhar de Jesus revela, sua escuta cura, suas palavras libertam. Ele é o mestre do encontro porque sabe ver além, escutar com o coração e falar com verdade.

A Amoris Laetitia (“A Alegria do Amor”) é uma exortação apostólica do Papa Francisco publicada em 2016, fruto das reflexões dos Sínodos sobre a Família realizados em 2014 e 2015. Entre os temas centrais estão o diálogo, a educação dos filhos, a sexualidade, a espiritualidade familiar e o cuidado com os mais frágeis. Um dos trechos mais citados é o capítulo IV, que reflete poeticamente sobre o amor a partir do hino de 1Coríntios 13.

Del Corral (2020) ao associar a exortação apostólica com a parábola da samaritana afirma:

Ela convida à integração e à paciência pastoral, afirmando que “ninguém pode ser condenado para sempre”. Assim, propõe uma nova atitude pastoral, sensível à realidade concreta das pessoas, fundada na misericórdia e na verdade do Evangelho, promovendo uma Igreja que escuta, acompanha e inclui. — Del Corral, 2020

Completa ainda, fazendo referência à Amoris Laetitia (2016): “apresenta esse encontro como um ponto central de sua exposição: foi isso que Jesus fez com a samaritana: dirigiu uma palavra ao seu desejo de amor verdadeiro, para libertá-la de tudo o que obscurecia sua vida e conduzi-la à alegria plena do Evangelho” (Del Corral, 2020).

Viver encontros assim requer disposição interior, virtudes humanas e abertura ao outro como mistério. Em um mundo líquido marcado por relações superficiais e utilitárias, o modelo de Jesus e a reflexão filosófica de López Quintás nos convidam a cultivar uma cultura do encontro, capaz de transformar vidas e gerar comunhão.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. Editora Ave Maria, 2023. 1696 p.

BRIEU, Thomas. Escutatória: desvendando os segredos da comunicação significativa. São Paulo: H1 Editora, 2024. 320 p.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 19a. Edição. Edições Loyola, 2017. 937 p.

DEL CORRAL, Juan José Pérez-Soba Diéz. Conversación junto al pozo. Cómo hablar de fidelidad al emotivista postmoderno. Scripta Theologica, vol. 52, 2020. Pgs. 161-186.

FRANCISCO. Amoris Laetitia: sobre o amor na família: exortação apostólica pós-sinodal. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2016. Disponível em: https://www.vatican.va . Acesso em: 20 mai. 2025.

FUNDACIÓN LÓPEZ QUINTÁS. Curso 2: El poder formativo de la literatura, el cine, las artes plásticas y la música. Disponível em: https://www.fundacionlopezquintas.org/ Acesso em: 25 mai. 2025.

GALLAND, Antoine. As mil e uma noites. Tradução de Mansour Challita. São Paulo: Editora Globo, 2001. 2 v.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

LANGFORD, Joseph. El fuego secreto de la Madre Teresa. Editorial Planeta Publishing, 2010. 368 p.

LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso. A Arte de Pensar com Rigor e Viver Criativamente. 2a. edição. Ed. Instituto Católico de Liderança, 2024. 336 p.

LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso. Descobrir a Grandeza da Vida. Coleção Pensamento e Criatividade. ESDC, 2005. 80 p.

LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso. La mirada profunda y el silencio de Dios. Una antropología dialógica. Colección Digital. Editorial UFV, 2019.

LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso; VILLAPALOS, Gustavo. El Libro de Los Valores. Editorial Planeta, 1997. 453 p.

LÓPEZ VILLANUEVA, Mariola. Ungidas: Un itinerario de oración con relatos de mujeres. 5a. Edição. Ed. Sal terrae, 2011. 176 p.

MIGNARD, Pierre. Cristo e a Samaritana, século XVII. Óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris.

MEISTERDRUCKE. Membro da iniciativa “Fairness im Handel”. Disponível em: https://www.meisterdrucke.pt/artista/Pierre-Mignard.html Acesso em: 25 de maio de 2025.

SAINT-EXÚPERY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. Tradução Ruy Pereira. Ed. Escala, 2015.

THE CHOSEN. Jesus e a mulher samaritana - 8º Episódio / 1ª Temporada (dublado). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K0h4CpptX-A Acesso em: 25 mai. 2025.

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Autoras: Giselle Silva Calado e Mônica de Mattos

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